quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Página Branca - Ponto Final

Ryan chegava a casa, ainda ressentido do acidente, mas talvez um pouco mais aliviado. Outrora, estava muito confuso e isso estava a matá-lo. Aquele beijo tinha um sentido especial, aquele beijo foi o perfeito para conseguir escrever.
Sentou-se na secretaria e finalmente as palavras fluíram, a caneta começou a deslizar sem medo e sem que a força dos dedos fosse muito necessária. Os minutos foram passando, mas ele nem dava pelas horas passar. O tempo era um menino e a tinta corria por páginas e páginas, com uma rica história de amor.
(Instantes mais tarde)
- Porquê? Porque é que fizeste isto comigo.
- Desculpa, não foi por mal, eu não te queria magoar, estava confusa e cedi ao impulso.
- Então para ti a vida é feita de impulsos, e depois não te importas se magoas alguém.
- Não tive a intenção, precisava de saber o que sentia por ti.
- Há formas de se perceber como se gosta de alguém e penso que não é brincando com os sentimentos das pessoas que vamos perceber, já pensaste em mim? Já pensaste como fico eu depois disto tudo?
- Eu percebo que estejas zangado comigo e entendo a tua revolta, mas por favor, tenta entender o meu lado.
- Há alguma coisa a entender?
- Ryan, estás a ser muito injusto.
- Ahah, agora eu é que estou a ser injusto! Só me faltava esta, fazes o que fazes, magoas o meu coração e ainda me atribuis parte da culpa!
- Olha, se não queres entender esquece-me, precisei daquele beijo para poder saber o que sinto por ti, e o que sinto não passa de uma forte amizade. Aliás, considero-te como um irmão, para mim, é assim que te vejo.
Sem olhar para ela e sem dizer nada, Ryan permaneceu em silêncio.
- Não estou para aturar estas infantilidades.
Samantha virou costas e saiu da casa dele, destroçada e angustiada com a atitude daquele rapaz. Enquanto ele, permaneceu quieto. A calma fora-se embora e estava ali impávido sem saber o que fazer.
No dia seguinte, Ryan, foi até à beira rio, passear um pouco tentando colocar as ideias no lugar, um dos sítios que Samantha muito frequentava.
Destino ou não, pareceu-lhe ver uma cara conhecida e ele tomou o rumo nessa direcção.
- Olá, por aqui?
- Olá meu rapaz, como estás? Sim, estou por aqui a pescar.
O velho do hospital tinha saído entretanto e estava ali a fazer porventura aquilo que mais gostava, pescar.
- Então e tu meu caro, que fazes por aqui? Pareces-me um pouco desanimado…humm…pelo jeito, tiveste uma discussão daquelas.
- Como é que você sabe todas essas coisas? – Perguntou Ryan quase que a pensar que ele era algum bruxo ou vidente.
- Apenas experiente. – Rematou com um sorriso. – Vivi o suficiente para perceber as pessoas e no teu caso está tudo bem à vista.
Depois de longos minutos conversando, em que Ryan contou tudo que se tinha passado no dia anterior e após as coisas terem ficado como ficaram o velho sábio pousando a cana de pesca e olhando seriamente o rapaz disse:
- Lembra-te, conquistar é como ir à pesca e tu, meu jovem rapaz, já pescaste o teu peixe, no entanto, não era o que tu querias. Na pesca isso acontece, por vezes pescas um peixe que não pretendes e ficas um pouco chateado, mas tens sempre duas hipóteses. Primeira, devolves ao mar e devolvas as coisas para onde pertencem, segunda, ficas com ele e aceita-lo independentemente daquilo que seja.
- Não sei se o estou a perceber.
- Então, deixas as coisas como estão e vives como se nada tivesse acontecido e lidas como se não a conhecesses, ou, por outro lado, aceita-la como a tal irmã que nunca tiveste.
O fim da tarde aproximava-se e ele regressava a casa. Não parava de pensar na conversa que tivera durante a tarde e sobretudo, não sabia o que fazer.
Ela não parava de pensar nele e, ainda estava chateada com ele, o que ele lhe dissera fora muito cruel e insensato. Mas, por outro lado, não queria que as coisas ficassem por ali, tinha medo de o perder, medo que ele se fosse embora, medo que ele se esquecesse dela. No entanto, fora isso que ela tinha pedido.
(Momentos depois)
- Ryan, preciso de falar contigo, podes vir cá a casa?
- Ok!
Ryan tomara o caminho para casa dela, mais uma vez repetia aquele caminho que já se tornava parte do seu caminho. Mais uma vez, não se deixava enganar pelos cheiros por onde passava e sabia instintivamente por onde seguir.
- Entra! – Ordenou Samantha afastando-se da porta para o deixar entrar, fitando-o admirada com o facto de trazer consigo uma mochila enorme.
- Desculpa! – Antes de qualquer coisa, Ryan fala algo que tinha atravessado na garganta. – Sei que foi um erro a minha atitude, mas estava magoado, não quis que as coisas fossem assim e sei que errei, por isso, peço desculpa.
- Tas desculpado…
Não deixando acabar ou com que ela dissesse mais alguma coisa, ele chega-se perto dela e dá-lhe para a mão um enorme monte de folhas.
- Isto é para ti!
- O que é isto?
- Um livro que escrevi, mas não publiquei.
- E por que é que me estás a dar isto?
- Porque vou embora…
Olhando para ele, impávida, questiona.
- Vais embora? Como assim? Vais para onde?
- Vou partir, viajar por esse mundo fora, procurar novas aventuras, novos locais novos motivos para viver.
- E…os teus amigos, a vida que tens aqui?
- Aqui ficará, levo comigo as memórias de sempre, levo comigo tudo de bom que vivi e me fez crescer mais, levo comigo as lembranças que vão certamente perdurar no meu coração.
- Tenho pena que vás.
- É o melhor para mim.
Ambos ficam sem palavras a olhar um para o outro. Chega-se perto dela e dá-lhe um beijo na testa. Depois, pega na mochila e parte. Samantha não consegue impedi-lo, fica parada a vê-lo ir.
Vê-o caminhar para sítio incerto, vê-o desaparecer por entre carros e casas. Logo que Ryan fica fora da sua vista ela senta-se e pega no livro que ele lhe deixou. Começa a ler e começa a chorar a cada letra que lê a cada palavra que sente. Ali, estava a história da vida deles, a história de tudo que ambos passaram.
No fim da história reparou numa coisa bastante pertinente. Algumas páginas encontravam-se em branco e a história estava inacabada. Mas, numa página solta encontrou algo para ela, um recado que ele deixou especialmente para ela.

“Já te deves ter apercebido que não termino a história porque não sabia o que vinha depois, não sei o que vai acontecer amanhã, aliás, eu sei que ele nunca vai chegar e como não sei antecipar o futuro, deixo em branco, porque é assim que vai ficar a nossa história. Vou partir e levo-te no meu coração, digo-te adeus mas não é para sempre. Um dia voltarei, eu sei que o futuro se encarregará de nos colocar de novo frente a frente, mas agora, preciso mesmo de partir. Para ti do teu ‘mano’ que nunca te vai esquecer e que te vai amar por toda a vida”

Ryan


FIM


[Foto by Gilad]




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