sábado, 14 de fevereiro de 2009

Página Branca

-Se tens algo a dizer, diz agora!
(silêncio)
Ele acabou de sair daquela porta, sem proferir uma única palavra. Ryan, viveu a vida que sempre sonhou até chegar aquele dia.
Um escritor fantástico que sabia sempre o que escrever, sabia ordenar as palavras e escolher o melhor tempo para que a história fizesse sentido. Esperava o barulho das ondas e que a rebentação lhe trouxesse as frases acertadas que tornavam a composição maravilhosa.
Na vida tudo é feito de composições, incluindo nós próprios. Para nos completar, existe uma alma que nos está predestinada. Ele acabara de descobrir a sua alma.
A paixão que o move prende-lhe os passos. Faz com que actue sem pensar e com que não faça o que lhe compete. Erra na natureza e confunde-se pela floresta de sentimentos.
Não foi amor à primeira vista, mas esteve perto. Ficou com aquele sorriso e aquele olhar gravado para sempre. O coração jamais parou, e sempre que está com ela, não se importa com mais nada.
A noite envolve-o e ele não sabe o que fazer. Está a pensar cometer uma loucura, mas por outro lado pergunta-se a si mesmo se valerá o esforço. Mas, arrisca.
A viagem é curta e o tempo também. Aquilo que os dois viveram foi mais forte para ele. Não se pode dizer que Samantha lhe deu sinais, ou que lhe deu a entender algo, antes pelo contrário, a vida dela tem um passado complicado, e ele, por infortúnio do destino, apaixona-se sempre por pessoas assim.
Talvez por não conseguir escrever mais, talvez por pensar que tudo é simples e desse modo, uma força divina fazer-lhe perceber que nesta vida também há dificuldades.
Ele não consegue falar, não lhe consegue dizer aquilo que sente. Pegou, mais uma vez, numa folha de papel, mas não conseguiu escrever. A caneta ficou ali estagnada e quieta.
Mesmo assim, os passos iam acelerando, o caminho já nem precisava de atenção, era seguido como se fosse a sua casa.
Ela abriu a porta e ficou surpresa por o ver.
O diálogo foi-se acentuando. Mas ele não conseguia dizer.
Despediu-se e virou costas, e nunca disse nada. Não disse porque não conseguia. Talvez precisasse ele de ajuda. Sonhava Ryan que ela lhe dissesse tais palavras, que ela lhe perguntasse ou fizesse um ultimato. Aquela frase “Se tens algo a dizer, diz agora!”, é apenas da sua imaginação. É a chave para a sua escrita e a chave para a sua fala. Se ela proferisse isso, seria como o mar trazer de volta as palavras para ele escrever, seria como a maré a encher trazendo vida do mar.
Hoje, fica ele a ver o por do sol sozinho, a sonhar.
Amanhã, ele vai regressar e quem sabe, a magia resulte.


[Foto by Cra]


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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Página Branca - A Continuação

Os dias vão passando e estes dois continuam na mesma. Ryan está cada vez mais consciente do mundo em sua volta. Nada o assusta.
No topo daquele lugar, olhando a cidade, sozinho se questiona:
- Porquê? Porque é que tem de me acontecer isto a mim? Que mal fiz eu para merecer esta dor?
No silêncio, cala-se, e pára a olhar para a cidade que lhe fica a seus pés. No fim da noite ele chora sozinho por ainda não conseguir fazer nada do que fazia. Acorrentado a um amor que lhe bloqueia os sentidos, adormecido entre névoas distantes.
Ele só queria poder, pelo menos, escrever. Queria desabafar, deixar numa folha aquilo que sente ou quiçá, aquilo que pensa.
Será que pensa?
Não, ele já não consegue mais pensar, apenas sentir. Apenas reage por instintos. Apenas segue um nome, Samantha.
- Calma, eu estou aqui!
Olhando para trás, Ryan não vê ninguém. Novamente escuta aquilo que quer ouvir, regressa a imaginação do impossível. Cabisbaixo, volta novamente o rosto para a cidade. São luzes brilhantes como cada um de nós, mas mesmo para cada um de nós, há sempre uma luz que brilha mais que todas as outras.
Regressa a casa, e senta-se na sua secretária, aquela folha em branco permanece ali, sem se mover, sem tinta, sem cor, sem vida.
O máximo que consegue fazer é pegar na caneta e ficar a olhar. Não sai dali, as situações não permitem que ele consiga responder às leis da física.
Nesta noite, Ryan volta a sentar-se numa cadeira olhando o infinito, esperando que um milagre aconteça.

[Foto by Galen Joseph Thoreau]


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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Página Branca - Desfecho

- Estamos combinados então! Depois de amanha, eu apareço aqui.
- Ok, Ryan! Eu vou jantar fora ou assim, e podes ficar à vontade para lhe preparares tudo, precisas de mais alguma coisa?
- Não, penso que está tudo orientado, só precisava mesmo desse favor teu.
Ryan regressa a casa depois de falar com o irmão de Samantha. Está a pensar preparar-lhe uma surpresa, um jantar especial em casa dela.
No dia do acontecimento, tudo segue como previsto, o irmão dela dá-lhe as chaves de casa dela e ajuda-o a levar algumas coisas. O resto fica com Ryan.
Começa a preparar as coisas, põe a mesa, velas que se confundem com o branco e cor de vinho, acompanhado por uma taça cheia de pétalas de rosas. Na porta, deixa-lhe um bilhete e até à mesa de jantar, um rio de pétalas pelo chão.
Prepara o jantar e no meio de alguma simplicidade, faz algo especial.
Ela chega a casa e ele espera por ela com uma rosa atrás das costas. Ela chega perto da porta e lê o bilhete que ele tinha deixado. Com receio abriu e leu, as palavras recheadas de ternura:

'O sol já desapareceu, a lua não brilha hoje e a escuridão persegue este mundo, mas no meu coração haverá sempre uma luz a seguir, e tu serás a minha luz.'

Samantha entra em casa e fica surpresa com tudo aquilo que ele tinha preparado. Ela chegando perto dele perguntou:
- O que vem a ser isto?
Tirando a rosa de trás das costas ele responde:
- Isto é tudo para ti!
Sem conseguir dizer nada, ela pega na rosa e leva-a ao nariz, cheirando aquele aroma. Ele convida-a para a mesa e como um cavalheiro, puxa-lhe a cadeira e ajuda-a a sentar. Vai buscar o jantar logo após isso e senta-se em frente dela. Poucas palavras são proferidas pelo jantar, mas são muitos os momentos em que ele olha para ela, em que se perde na beleza da pessoa à sua frente.
No fim do jantar, Ryan perde o medo, ganha coragem, enche o peito de ar e sem pensar diz tudo o que sente. Fala de tanta coisa que o seu coração queria dizer há tanto tempo, que agora, é jogado ali na frente dela.
Sem reacção Samantha fica imóvel perante ele, ela fica abalada com tanta coisa e fica a olhar para ele sem nada dizer.
Agora é ela que não consegue falar, é ela que não tem palavras e rompendo um silêncio que havia ficado no ar após as palavras dele, ela apenas desce a cabeça e diz:
- Desculpa!
Engolindo em seco, ele sai correndo. Sem ver nada nem ninguém ensopado em lágrimas, foge desistindo do mundo em que vive.
Naquela noite a página em branco ganhou vida, mas não com a tinta da caneta, e sim, com as lágrimas que ele deixou cair.

[Foto by Carrion Shine]


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quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Página Branca - Uma Procura Sem Fim...

- O que é que eu vou fazer?
- Samantha, acho que devias ir a casa dele e explicar-lhe as coisas, ou, até mesmo, tentar perceber melhor o que se passou.
- Mas, ele está incontactável…
- Mais uma razão para ires lá.
Kate desliga o telefone e Samantha finalmente dá ouvidos à sua amiga.
Depois de 3 dias sem notícias do Ryan, ela começava a ficar preocupada com o que lhe teria acontecido.
Aquele caminho que ele já sabia de cor, é invertido agora por Samantha, no ímpeto de procurar saber algo mais sobre o estado de um rapaz que saiu em lágrimas da última vez que o viu.
Chegando a sua casa, toca à campainha, volta a tocar, e toca uma última vez. Ninguém responde, ninguém dá sinal.
Ela fica ali uns minutos na porta, pensando no que fazer. Desde aquele momento que tudo ficou uma confusão.
Vai embora, e vira costas. Sem destino, parte para um lugar incerto. Dá por si a regressar a sua casa, ao sítio onde ela sabe que ele esteve há bem pouco tempo. Ali, olhando as luzes e os carros lá fora ela chora lágrimas, por não saber o que sente, por não poder retribuir a grandeza do amor que ele transporta e por não saber sequer onde se mete o rapaz que lhe ofereceu aquela rosa.
Olha para a rosa, e olha para a porta. Ele não regressa, ele não volta. Ela volta a casa dele, e volta a tocar à campainha, mas obtém o mesmo resultado. Silêncio absoluto.
Mas desta vez, ela já esperava isso e por essa mesma razão deixou-lhe um bilhete na caixa de correio:

“Procuro por ti, anseio ver-te ao virar de cada esquina, aguardo que entres por aquela porta, naquela sala onde me abandonaste. Conheces-me e sabes o meu refúgio, sabes onde me encontrar.”



[Foto by Lonely Pierot]


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terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Página Branca - Fim da Tarde

- Boa tarde Samantha, por aqui outra vez?
- Sim, vim procurar mais um bocadinho de descanso.
Regressava Samantha àquele jardim, despido de vida e de pessoas. O frio atingia este local ao pé do rio, e quase ninguém por lá andava.
Via-se aos poucos um casal, cúmplices entre si e a viver o império do amor. Mas, ela nem ligava para isso. Estava ali no ímpeto de encontrar alguém, na esperança que aquele bilhete fosse lido e tivesse resposta.
No silêncio das águas calmas, ouvia-se o mar. As gaivotas voavam livremente pelo ar e ali naquele jardim, apenas os passos pisando a relva se faziam sentir e ouvir.
Os pensamentos dela fluíam por todos os lados, pensava em tanto que nem reparava onde estava. Fugia do mundo e libertava-se também, apesar do corpo estar ali a mente outrora se havia perdido.
Mais um dia que estava a terminar e Ryan continuava sem dar sinais de vida.
Estava a olhar o sol, que descia pelas dunas e mergulhava no mar, lá mais ao fundo. Queria ela poder fazer parar o tempo, e ter oportunidade de lhe dizer mais do que a mera “desculpa” que disse. Gostava ela de tentar faze-lo perceber a sua parte e mostrar que não o quer magoar.
Pelo meio do jardim, sentem-se passos, alguém que a acompanhava dias e dias, alguém que a via todos os dias estava a seguir a direcção dela.
O sol descia cada vez mais e aquela pessoa estava mais perto dela, olhava Samantha e cada vez se aproximava mais.
A certo momento, ela sente um braço a tocar-lhe nas costas, assusta-se e vira-se. Olhou para trás e tremeu, ficou pálida a olhar para aquela pessoa.
Depois de alguns segundos:
- Olá!
Quando Samantha apenas responde:
- Ryan!?


[Foto by 'Desconhecido']


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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Página Branca - Estaca Zero

- Sim, sou eu!
Samantha ficou ali a olhar para ele sem saber o que dizer. Ryan aparecera ali e ela só reparou naquele momento que não estava preparada para o enfrentar e muito menos para lhe explicar qualquer coisa.
Ele percebeu que ela não estava a acertar com a melhor palavra para poder dizer algo. Ajudou-a a relaxar e deu-lhe a mão, levou-a até ao mar, onde já quase não se via o sol, o vento frio soprava do mar e eles estavam ali.
Naquele rochedo, que muitas das vezes tinha sido o seu ponto de descontracção e que lhe tinha ajudado a passar os últimos dias, Ryan voltou-se para ela e perguntou:
- Então como está o teu irmão?
Meia atrapalhada e confusa responde-lhe:
- Bem, ele está bem!
Estava na cara que quem não estava bem era Ryan. Mas que pergunta mais estúpida e mais insensata de se colocar. Numa altura daquelas, que as coisas estavam totalmente baralhadas e precisavam de ser esclarecidas.
Naquele segundo, volta a soprar mais uma rajada de vento e ela que não estava a contar sequer ir até ali, já sentia frio. Ele despe o seu casaco e cobre-a. Sentam-se ambos na areia a ouvir o mar. O silêncio entre eles só não era possível porque o mar cantava para eles.
Breve instante em que ao longe se ouve uma guitarra. Alguém a recitar um poema de amor à namorada. Eles escutam e continuam a não dizer nada.
No regresso a casa, poucas são as palavras gastas por ambos.
Fica tanto por dizer e tanto por explicar. Em branco ficaram as palavras de Samantha e Ryan voltou a não conseguir escrever nada naquela sua página.

[Foto by Everybody Sucks]


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domingo, 8 de fevereiro de 2009

Página Branca - Sentimentos

A vida seguia como se nada tivesse acontecido, numa bela tarde, em que o sol estava prestes a pôr-se. Ele desloca-se até a varanda com uma vista formidável e encosta-se ao parapeito da varanda. Ali, fica ele inspirando o ar e olhando o sol.
O calor da primavera absorve o seu corpo e acolhe a sua calma.
De repente sente umas mãos a abraça-lo e a contornar seu corpo, um beijo de leve no pescoço, era ela que lhe vinha fazer companhia. Mas ao olha-lo, reparou que o caso era sério, ele não lhe sorriu, ele não retribui, ele ficou estático.
Samantha perguntou:
- O que é que tens?
- Nada, está tudo bem!
- Não me parece, já te conheço e sei quando não estás bem.
Depois de ouvir estas palavras, volta-se para ela pega-lhe na mão e leva-a junto do seu coração, depois pergunta.
- O que é que sentes?
- O bater do teu coração!
- Eu sinto Amor.
Fez-se silêncio, ela não soube o que dizer, ficou somente a olha-lo nos olhos e ele também.
Ryan prosseguiu, mesmo deixando Samantha sem palavras e sem reacção o silêncio perdurou por uns largos segundos, o olhar penetrava os olhos de cada um, ela sem saber o que dizer, ele sem saber o que dizer, ela sem se conseguir mexer, ele sem conseguir pensar, ela sem capacidade de resposta e ele com o coração na mão.
Quando o silêncio era já um sufoco, eis que rompe com uma mera pergunta, outra para ela.
- Olha-me nos olhos e diz-me aquilo que vês?!
- O brilho do teu olhar!
- Sim, e que mais?
- Talvez esse brilho que transparece o tal amor que vai dentro de ti.
- Sim, mas neles podes ver o reflexo duma pessoa, o reflexo de quem amo, o reflexo daquela que é a dona do meu coração, daquela que me tira da calma, que me deixa sem ar, que me acende o fogo em mim e da vida aos meus sonhos.
Inevitavelmente, a coisa complicou-se, ela voltou a ficar sem palavras e ele voltou a calar-se.


[Foto by Chicago Girl 11]



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sábado, 7 de fevereiro de 2009

Página Branca - O Temporal

- Samantha!?
- Olá Ryan, desculpa estar-te a ligar a esta hora mas estava com medo.
- Medo de quê?
- Deste enorme temporal que está lá fora, e a minha janela não para de fazer barulho, nem consigo dormir.
- Acalma-te, isso vai passar, tenta relaxar.
- Já tentei, mas não consigo. (Pausa com suspiro) Preciso de ti.
Foi aqui que o telefonema ficou suspenso num silêncio ensurdecedor.
- Eu vou já ter aí! – Respondeu Ryan rompendo aquele emudecimento.
Depois de dias e dias sem falar, Samantha quebra o gelo num momento de aflição. Desde aquele dia que ambos estiveram distantes, ficaram sós a pensar no que seria melhor ou não para eles.
As decisões são difíceis de se tomar e muita coisa mudou desde aquele dia. É difícil dizer coisas que se sente e mais difícil é dizer coisas que magoam.
Na pressa, Ryan esqueceu aqueles dias cinzentos e negros que tinha vivido, a falta dela causara-lhe muito mal e tornara-se num ser diferente, com medo de agir, medo de fazer algo errado. Mas, naquele momento, esqueceu tudo e partiu, deixou de pensar e não se importou com mais nada.
Contudo, lá fora a tempestade fazia sentir e as pessoas não estavam seguras, ventos fortes e chuva intensa causavam enormes estragos. Como era de madrugada, não se encontrava ninguém na rua, apenas a chuva o vento e a revolta de alguém que não está contente com a humanidade.
Vestindo-se à pressa, sentindo o tempo passar, Ryan não perde um único segundo e sai de casa a correr, enfrentando aquele enorme temporal que se fazia sentir na rua.
Nem o guarda-chuva lhe valia, porque a corrida dele e a sua preocupação não se importavam com mais nada sem ser ela.
Nesse momento, ao ir para casa dela, não reparando em mais nada, correndo sem parar, atravessando ruas sem pensar, de repente só houve um barulho de uma travagem.
(iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiihhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!)
Ryan acabara de ser atropelado.


[Foto by Dolore]



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sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Página Branca - O Velho Sábio

- Ele vai recuperar, agora só precisa de descanso.
Respondeu a médica a Samantha que se encontrava ali no Hospital naquela manhã.
- Mas podes ir visitá-lo.
Seguindo as pisadas da senhora, lá foi ela até aquela sala com o coração a tremer e a pular ao mesmo tempo. Sentia-se culpada de certa parte pelo que aconteceu, se não tivesse sido ela, nada teria acontecido.
Olhando os olhos de Ryan disse-lhe:
- Desculpa, isto foi tudo culpa minha.
- Não! – Retorquiu Ryan desviando o olhar. – Sou eu que tenho de pedir desculpa por não ter conseguido cumprir aquilo que te prometi.
- Não sejas tonto, podias ter perdido a vida…
Sem deixar acabar, disse-lhe:
- Mas valia o esforço.
A conversa prolongou-se e ele lá ficou deitado naquela cama de Hospital. Os amigos mais próximos foram vê-lo também e os sorrisos foram-se confundindo com as lágrimas que o coração derramava.
Ao chegar a noite, um velho a seu lado, percebeu a dor do rapaz e disse-lhe:
- Dói, eu sei que dói! – Ryan admirado fita-o e antes que pudesse dizer alguma coisa o velho volta a falar-lhe. – Aquilo que sentimos é sempre demais para nós, é uma força sagrada que não conseguimos controlar. O amor é impossível de se conter e tu ainda és muito novo. Dizes que sentes e que amas, bem sei o que estás a viver, fico admirado como ao fim de tantos anos continuo a sentir o mesmo.
Ryan apenas o olhava e nada dizia.
- Deves pensar que sou um velho louco, ou que não sei o que digo. És livre de pensar o que quiseres, mas se fores humilde saberás dar o melhor seguimento a estas palavras. Aquela rapariga vive confusa, está à procura de uma resposta dentro do seu coração e tu vives ansioso pela resposta dela.
Olha para o teto e franzindo o nariz sob aquela luz do luar continuou:
- Conquistar é um dom que poucos possuem, muitos nem sabem como usá-lo. Mas deixa-me dizer-te, conquistar é como ir à pesca.
- Como ir à pesca? – Perguntou Ryan quebrando aquele extenso monólogo.
- Sim, porque tens de esperar, tens de agradar, tens de ser muito calculista e quando for o momento certo (pausa) as coisas acontecem.
Ryan não falou mais e o velhote calou-se.
No dia seguinte, Samantha trouxe-lhe um presente e veio fazer-lhe companhia mais uma tarde, também seria a ultima tarde ali, no dia seguinte teria alta e poderia regressar para casa.
Nesse dia Ryan pouco falou, ainda pensava nas frases que o senhor ali ao lado lhe tinha dito durante a noite. Quando ela se ia embora, chega perto de Ryan para se despedir e naquele momento o tempo parou. Ela beijou-o e foi-se embora.


[Foto by Contrail 09]



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quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Página Branca - Ponto Final

Ryan chegava a casa, ainda ressentido do acidente, mas talvez um pouco mais aliviado. Outrora, estava muito confuso e isso estava a matá-lo. Aquele beijo tinha um sentido especial, aquele beijo foi o perfeito para conseguir escrever.
Sentou-se na secretaria e finalmente as palavras fluíram, a caneta começou a deslizar sem medo e sem que a força dos dedos fosse muito necessária. Os minutos foram passando, mas ele nem dava pelas horas passar. O tempo era um menino e a tinta corria por páginas e páginas, com uma rica história de amor.
(Instantes mais tarde)
- Porquê? Porque é que fizeste isto comigo.
- Desculpa, não foi por mal, eu não te queria magoar, estava confusa e cedi ao impulso.
- Então para ti a vida é feita de impulsos, e depois não te importas se magoas alguém.
- Não tive a intenção, precisava de saber o que sentia por ti.
- Há formas de se perceber como se gosta de alguém e penso que não é brincando com os sentimentos das pessoas que vamos perceber, já pensaste em mim? Já pensaste como fico eu depois disto tudo?
- Eu percebo que estejas zangado comigo e entendo a tua revolta, mas por favor, tenta entender o meu lado.
- Há alguma coisa a entender?
- Ryan, estás a ser muito injusto.
- Ahah, agora eu é que estou a ser injusto! Só me faltava esta, fazes o que fazes, magoas o meu coração e ainda me atribuis parte da culpa!
- Olha, se não queres entender esquece-me, precisei daquele beijo para poder saber o que sinto por ti, e o que sinto não passa de uma forte amizade. Aliás, considero-te como um irmão, para mim, é assim que te vejo.
Sem olhar para ela e sem dizer nada, Ryan permaneceu em silêncio.
- Não estou para aturar estas infantilidades.
Samantha virou costas e saiu da casa dele, destroçada e angustiada com a atitude daquele rapaz. Enquanto ele, permaneceu quieto. A calma fora-se embora e estava ali impávido sem saber o que fazer.
No dia seguinte, Ryan, foi até à beira rio, passear um pouco tentando colocar as ideias no lugar, um dos sítios que Samantha muito frequentava.
Destino ou não, pareceu-lhe ver uma cara conhecida e ele tomou o rumo nessa direcção.
- Olá, por aqui?
- Olá meu rapaz, como estás? Sim, estou por aqui a pescar.
O velho do hospital tinha saído entretanto e estava ali a fazer porventura aquilo que mais gostava, pescar.
- Então e tu meu caro, que fazes por aqui? Pareces-me um pouco desanimado…humm…pelo jeito, tiveste uma discussão daquelas.
- Como é que você sabe todas essas coisas? – Perguntou Ryan quase que a pensar que ele era algum bruxo ou vidente.
- Apenas experiente. – Rematou com um sorriso. – Vivi o suficiente para perceber as pessoas e no teu caso está tudo bem à vista.
Depois de longos minutos conversando, em que Ryan contou tudo que se tinha passado no dia anterior e após as coisas terem ficado como ficaram o velho sábio pousando a cana de pesca e olhando seriamente o rapaz disse:
- Lembra-te, conquistar é como ir à pesca e tu, meu jovem rapaz, já pescaste o teu peixe, no entanto, não era o que tu querias. Na pesca isso acontece, por vezes pescas um peixe que não pretendes e ficas um pouco chateado, mas tens sempre duas hipóteses. Primeira, devolves ao mar e devolvas as coisas para onde pertencem, segunda, ficas com ele e aceita-lo independentemente daquilo que seja.
- Não sei se o estou a perceber.
- Então, deixas as coisas como estão e vives como se nada tivesse acontecido e lidas como se não a conhecesses, ou, por outro lado, aceita-la como a tal irmã que nunca tiveste.
O fim da tarde aproximava-se e ele regressava a casa. Não parava de pensar na conversa que tivera durante a tarde e sobretudo, não sabia o que fazer.
Ela não parava de pensar nele e, ainda estava chateada com ele, o que ele lhe dissera fora muito cruel e insensato. Mas, por outro lado, não queria que as coisas ficassem por ali, tinha medo de o perder, medo que ele se fosse embora, medo que ele se esquecesse dela. No entanto, fora isso que ela tinha pedido.
(Momentos depois)
- Ryan, preciso de falar contigo, podes vir cá a casa?
- Ok!
Ryan tomara o caminho para casa dela, mais uma vez repetia aquele caminho que já se tornava parte do seu caminho. Mais uma vez, não se deixava enganar pelos cheiros por onde passava e sabia instintivamente por onde seguir.
- Entra! – Ordenou Samantha afastando-se da porta para o deixar entrar, fitando-o admirada com o facto de trazer consigo uma mochila enorme.
- Desculpa! – Antes de qualquer coisa, Ryan fala algo que tinha atravessado na garganta. – Sei que foi um erro a minha atitude, mas estava magoado, não quis que as coisas fossem assim e sei que errei, por isso, peço desculpa.
- Tas desculpado…
Não deixando acabar ou com que ela dissesse mais alguma coisa, ele chega-se perto dela e dá-lhe para a mão um enorme monte de folhas.
- Isto é para ti!
- O que é isto?
- Um livro que escrevi, mas não publiquei.
- E por que é que me estás a dar isto?
- Porque vou embora…
Olhando para ele, impávida, questiona.
- Vais embora? Como assim? Vais para onde?
- Vou partir, viajar por esse mundo fora, procurar novas aventuras, novos locais novos motivos para viver.
- E…os teus amigos, a vida que tens aqui?
- Aqui ficará, levo comigo as memórias de sempre, levo comigo tudo de bom que vivi e me fez crescer mais, levo comigo as lembranças que vão certamente perdurar no meu coração.
- Tenho pena que vás.
- É o melhor para mim.
Ambos ficam sem palavras a olhar um para o outro. Chega-se perto dela e dá-lhe um beijo na testa. Depois, pega na mochila e parte. Samantha não consegue impedi-lo, fica parada a vê-lo ir.
Vê-o caminhar para sítio incerto, vê-o desaparecer por entre carros e casas. Logo que Ryan fica fora da sua vista ela senta-se e pega no livro que ele lhe deixou. Começa a ler e começa a chorar a cada letra que lê a cada palavra que sente. Ali, estava a história da vida deles, a história de tudo que ambos passaram.
No fim da história reparou numa coisa bastante pertinente. Algumas páginas encontravam-se em branco e a história estava inacabada. Mas, numa página solta encontrou algo para ela, um recado que ele deixou especialmente para ela.

“Já te deves ter apercebido que não termino a história porque não sabia o que vinha depois, não sei o que vai acontecer amanhã, aliás, eu sei que ele nunca vai chegar e como não sei antecipar o futuro, deixo em branco, porque é assim que vai ficar a nossa história. Vou partir e levo-te no meu coração, digo-te adeus mas não é para sempre. Um dia voltarei, eu sei que o futuro se encarregará de nos colocar de novo frente a frente, mas agora, preciso mesmo de partir. Para ti do teu ‘mano’ que nunca te vai esquecer e que te vai amar por toda a vida”

Ryan


FIM


[Foto by Gilad]




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